terça-feira, 7 de dezembro de 2010

.

"[...]porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? enquanto eu imaginar que "deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o modo de me acusar. eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de deus. eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. porque enquanto eu amar a um deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. enquanto eu inventar deus, ele não existe."




Clarice Lispector pelos dígitos de Bruno Ferreira.
fechando a noite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário