quinta-feira, 24 de junho de 2010

a menina me olhava

Ela olhava com timidez a fita que fazia na minha blusa, na altura no meu colo. As vezes corria os olhos para os meus e logo os tirava. Distraia. Me olhava através de um óculos de armação tom magenta, ou qualquer outra nuance de rosa. Eu fingia que não reparava nos olhos dela em mim. Ela também olhou minha mochila grande, atrapalhada e cinza sem-graça. Mas olhava para a fita. Tinha uma sujeira na bochecha, como se fosse de doce. Eu fui pequena por tanto tempo, miúda, protegida. Observava à todos e detalhes não me faltavam. Ali eu me perguntava, que grande coisa te atrai o olhar, menina?
Me fitava. E não era séria, nem sorrindo, era de observação. Como se estivesse analisando e esmiuçando os detalhes de cada florzinha da minha blusa. Talvez ela estivesse pirando nos desenhos e fazendo um conto na estampa da minha roupa. Eu olhei os cabelos lisos castanhos que enrolavam nas pontinhas. Vi seu jeito singelo e independente de amarrar o tênis.
Não sabia quem era espetáculo e quem era espectador. O interesse partiu da menina de me olhar e ali procurar alguma referência, alguma história, perder-se os olhos em algo nunca antes visto ou rotineiramente visto, você olha para todos, menina?
Levantei e ela olhou minha meia que percorria minha perna. Parou estática e pregou os olhos sem nem piscar, e na minha altura eu já não sabia o que era surpreendente para mim e o que era para ela. Olhava. De repente, fitou meus olhos e então eu mudei a expressão do meu rosto para ela. Ela não reagiu e continuou a me olhar.
A perdi. Em meio a aglomeração das escadas do metrô, um braço rela no meu e era ela, sem nem perceber que havia me tocado e sem saber direito por onde estava andando, tortinha e desorientada. Foi quando senti aquele toque. Ela tomou uma mão e foi adiante. Então certifiquei que a menina era de um tamanho que batia dois palmos abaixo do meu ombro.

domingo, 6 de junho de 2010

Suicídio

Vivo do egoísmo e prezo por mim o centro do universo. Não sou humilde. Invejo os humildes. Quando penso que estou pensando em nós como um todo, estou pensando em mim com todos, em somente eu, com grande ênfase. Grito. Argumento absurdos. Uso palavras para ofender, machucar. Palavras são minhas armas - não atingem à todos - mas são. Faço algumas promessas e alguns dizem que são falsas. Eu não sei e talvez esse seja meu maior defeito: não saber. Faço sem pensar mas não uso mais "impulso" no meu vocabulário. Ajo com a emoção. Sou energicamente raivosa e capaz de destruir tudo que construi com o mais silencioso primor de um equilíbrio racional. Construo e destruo. A mesma força que uso para agradar, uso para causar o amargamento. Exagero. Choro. Tenho vontade de usar minhas mãos para agredir mas hesito.

Vou matar. Dar morte. Privar da vida. Extinguir. Fazer murchar, secar. Farei tudo isso a essa pessoa que foi construída sob mim. Eu nem tinha visto e, quando notei, já estava sendo tal persona. Contrário de ter orgulho de assassinar-me e me expor em praça pública, me enterrarei no mais profundo sete palmos do "Existiu" para nunca mais sair. E odiar com força tudo que sofri por viver dentro de um corpo que não suportei. Cansaço de chorar de arrependimento por algo que disse há dois minutos.
Insuportável respirar aprisionada numa personalidade que não me pertence. Que não entendem e não conseguem entender. Que atribuem meus erros a ausência de emoção paterna.
Que seja,
estou matando.

vou voar em campos serenos
ser humilde em vestes brancas.
e só irei chorar da emoção do sublime respirar da vida. sorrirei para os que tentei doer com palavras.

mo
r
te

à

...

terça-feira, 1 de junho de 2010

sensível

Se eu deitar meu corpo estendido e nu sob a superfície horizontal de minha cama, posso sentir da janela a brisa entrando e fazendo uma incômoda cócega nas minhas costas, brisa gélida que faz o corpo arrepiar, sentir frio. Ainda assim, se pegar o mais confortável cobertor para me esquentar e ali fazendo movimentos para acelerar o calor, após isso o cobertor faria a sua função passiva de apenas pousar sobre minha pele e ali abafar os 36 graus do meu corpo.
E se eu comer do doce mais saboroso, suculento e com leve toque azedo para aguçar, ali só se passa os pedaços pelos meus dentes e se despede para minha glote. à grosso modo, absorve nutrientes para o que restou virar merda. Não há vestígios agradáveis, nem sequer um brilho para olhar, a não ser que o papel do doce seja muito bonito.
Ainda que eu usar o mais ensandecido lisérgico e fizer uma viagem paranormal para um mundo de cores estouradas, sons progressivos e ecos de elfos, eu sei inconscientemente que em alguma hora as minhas asas irão quebrar e que me espatifarei no chão. Seguido, terei convulsões e, por que não?, aquele doce pode voltar pela minha boca novamente...E questionar, e chorar e voltar ao mundo não-ácido.

Se conheço a sua mão quente para esparramar sob meu corpo e brincar em qualquer canto que até eu mesma desconheça, posso deixar a janela aberta porque sei que podes me abraçar quando as primeiras bolinhas de arrepio aparecerem. E o confortável cobertor pode nos envolver e nos deixar mais perto, ou pode ser dispensável já que nossos 72 graus são suficientes para não haver incômodo.
O doce eu posso deixar para mais tarde, se aqui dentro da minha boca eu posso colocar a sua língua. Se posso te apalpar enquanto o sinto e após o ato, posso olhar as cores, as luzes e os raios que incendeiam os seus olhos. Posso fazer um sorriso nascer no canto da minha boca, irradiando uma gargalhada da sua. E sonhar com o encanto que são os sons, os tons e os cheiros que você faz.
Ah. Se na sensibilidade do seu toque ou o que é nós dois horizontalmente encaixados, posso me elevar a um plano transcendental onde todas as cores se misturam e o branco se faz. Pureza branca, tranquila, serena...As vezes ouço anjos mas tudo me parece no mais breve silêncio, quebrado apenas quando seu sussurro umidece meu ouvido. Vejo luzes e sei que minhas asas não podem se quebrar, porque tu me abraças e nos seus olhos fechados apertados não vejo a pretensão de me soltar. Voamos. Enrolados, rindo.

Porque o que é um abraço num tronco ocre de uma árvore centenária, senão o abraço no teu peito que me compensa com um ritmo, uma batida, um compasso. Abraço e sinto batidas no peito que se aceleram. O ponto emocional do seu cérebro é excitado e as batidas podem fazer música com as minhas.
Uma música que fazemos desde o dia em que me levantaste no meio da rua, debaixo da chuva e assim com um beijo selou parceria.

Música que é trilha sonora...



...do nosso longa-metragem sem fim.