sexta-feira, 29 de abril de 2011

Relatos de uma certa família caipira

"O vô quando veio pra São Paulo, ele era casado e tinha duas filhas. A Tia Neiva era pequena, não sei a idade...pode chutar? A Tia Nadir nasceu em 60, eu acho que ele veio em 58 ou 59. Veio numa situação difícil, minha mãe tinha ficado doente, veio endividado, deixou dívidas em Divinolândia. Chegando aqui, ele morou de aluguel na Vila Matilde, depois ele conheceu um senhor crente, o senhor Otávio. O Senhor Otávio ajudou muito ele, assim o papai comprou um terreno na Vila Nhocuné e o Otávio foi pedreiro, eu acho. Foi quando o papai arrumou um emprego na Rivoli, uma empresa de importação de azeitonas. Trabalhou muitos anos nessa empresa. No meio disso, nasceu a Nadir. Esse lugar na Nhocuné era um bairro muito precário, começando...não tinha asfalto e pra pegar condução ele ia apé até a estação de trem em Artur Alvim, bem precário, cheio de mato. Minha mãe começou a trabalhar como ajudante de cozinha num hospital e com o tempo estudou, terminou o primário, ginásio, até fazer o curso de auxiliar de enfermagem, quando começou a trabalhar no mesmo hospital, como enfermeira.
Eu nasci em 63. Nossa vida era muito simples, muito difícil, nossas irmãs mais velhas cuidavam de mim e, no futuro, em 66, do Enio, meu irmão mais novo.
Não sei se interessa, mas no começo de tudo isso, minha mãe perdeu um filho. Ela teve eclanpsia. Ela caiu na roça, acho que bateu a barriga e acabou abortando. Ela era muito jovem, acho que tinha 16 anos, nem viu o bebê nascer e nasceu morto...Eclanpsia? É um problema que as vezes a mulher tem no parto e não sei exatamente o que dá, mas minha mãe ficou fora de si, meio doida, não falava coisa com coisa, pegava um paninho e nanava como se fosse o nenê que morreu, ah, meu pai contava essa história pra gente e nós chorávamos.
Bom, minha mãe foi enfermeira, meu pai continuou trabalhando naquela empresa durante muitos anos e depois, não lembro em que fase, meu pai pegou uma doença chamada novralgia no trigênio, é um nervo na cabeça. Ele tinha dores terríveis no rosto, os médicos não sabiam o que era, fizeram cirurgias experimentais, a boca ficou totalmente torta por um tempo, fez de um lado, de outro, foi muito sofrimento pra ele e ele acabou se aposentando por invalidez, mais cedo do que deveria. Minha mãe era muito batalhadora, meu pai era mais...como eu digo? Apesar de ser trabalhador, era muito dependente emocionalmente da minha mãe. Minha mãe era dura, não demonstrava muito carinho, meu pai fazia a gente dormir no colo, eu era a mais apegada à ele.
Eu tive uma vida melhor por ser mais nova e mais apegada ao meu pai. Minhas irmãs sofreram mais, elas era mais velhas e tinham que cuidar da gente, tipo aquela vez que eu quebrei o braço e elas tiveram medo do meu pai descobrir. Na parte de alimentação era precário, meus pais tinham uma vida muito dura, com vários filhos...minhas irmãs foram, assim, com uma vida difícil. Mas foi gostosa também, elas brincavam na rua, a Inês era muito moleca: soltava pipa, jogava bolinha de gude, brigava com os meninos. Eu fui mais quieta. A Neiva, por ser a segunda acabava sendo...ah, sei lá. A Nadir que era do meio, era mais difícil, que aprontava, tipo fugia de casa pra fazer piquenique em Pedreira e quando voltava pra casa apanhava. Eu era cúmplice dela e morria de medo...
Nossa alegria era todo começo de ano que a gente viajava pra roça, onde meus pais nasceram. A gente adorava, era diferente pra gente. Tinha pintinho, galinha, água da bica, não tinha luz e a gente adorava brincar lá. Quando a gente chegava lá, tinha uns primos que se escondiam no paiol porque tinham vergonha da gente que era da cidade, mas aos poucos eles apareciam.
A primeira sair de casa, foi na ordem de irmã mais velha pra mais nova mesmo. A Inês foi a primeira e se casou num dia que choveu muito, muito, muito, eu tinha dez anos."

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